quarta-feira, setembro 27, 2006

Eyes Wide Shut




Não é a primeira vez que aqui passo mas só agora reparo...

Neste braço de estuário, esconderijo secreto de tão explícito, as águas, doce e salgada, vêm namorar na preia-mar. São águas felizes.

Os sulcos dos barcos na superfície acordam as margens de sua letargia e agitam a madeira de um velho casco, pela vida gasto. Quase recupera sua pose de navio, outrora dono e senhor do rio. Balouçando na proa, uma gaivota parece ainda lhe reconhecer algum brio.

No auge da maré cheia, esconde-se o leito sob o agri-doce rodopio. O ar, levemente adocicado por entre travos de maresia, pede uma pausa, tranquiliza, e até os fios dos pescadores que trespassam o húmido espelho demoram mais a vibrar.

Dali a nada, restará pouco mais que um lençol usado, desalinhado, vincado por ardores de amante e onde jaz seu odor delirante. À medida que recua de seu balzaquiano ninho este vai sendo por outros pássaros tomado. O regresso é certo e se a paixão nos torna alados, o rio parece ter com seus pares a magnânima indiferença dos apaixonados.

Eu, aqui ao longe mirando as pequenas garças, sinto-me quase velho, quase gasto, recordando as águas felizes...


"Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer."
Cesário Verde, O Sentimento dum Ocidental

segunda-feira, setembro 18, 2006

Buongiorno Principessa!

Foto de mit


No meu calendário,
por mais distante, desde o nascer do sol até à escuridão e sua brilhante sinfonia, este será sempre o teu dia: Parabéns!

Que cada intrépido passo teu deixe uma pegada de felicidade...


Chegam-me ecos de ti, que estás feliz onde eu fui feliz. E não consigo parar de imaginar o teu sorriso...

domingo, setembro 17, 2006

Há Mar e Mar...



Estrella Morente, Volver


Aprisionei-me na liberdade.

A melancolia que me adorna as palavras visita-me neste meu cárcere infinito. Por vezes, como uma roupa usada dias e dias, meses, seguidos, parece desfiar seu sentido em fios que se soltam e em pequenos novelos ficam perdidos.

Enfim, tanto choro, tanto grito, tanto querer que é um querer maldito. Ladainha velada por um desejo de ter o que por mim já foi tido. E que é tudo e tão lindo! E no entanto... Não ouso arriscar rumo ao conhecido e escondo a razão de qualquer laivo de audácia que a possa toldar.

Eu amo. Sim, Amo! Quero bem, independentemente de ser eu a dar. Por si só não será confissão para me soltar? Contudo, o tempo decidiu que era tempo num tempo em que eu não posso - não quero? - e não sei voltar. Assim, agora, não. Doce ironia, não fosse eu recluso e não teria meu indulto...

Neste corrupio de sensações, tentando parecer destemido, decido. Afinal há todo um desconhecido para explorar, conhecer e, quem sabe, de onde voltar.


"Porém seu pequeno coração
- que é o dos equilibristas -
Por nada suspira tanto
Como pela chuva tonta
Que quase sempre traz o vento
Que quase sempre traz o sol..."
Bernardo Atxaga, As Gaivotas