quinta-feira, março 08, 2007

Into the Light

Quando rever é ver de novo,
Esperanço, a cada segundo,
Iluminar, oh Deusa que louvo,
Com teu raiar o meu mundo!

E, de tal dealbar o vislumbre,
Me assoma tamanho assombro
Quanto pode haver deslumbre,
Tanto, que à noite pões cobro!

À tua luz nada mais vejo,
Sequer ao céu estrelas invejo,
Teu brilho cega meu crer...

Um sentir que não vendo,
Um dia, imenso, crescendo,
Verão me cria no querer!

____Foto de Giacomo Sardi


"(...)
Tens os raios fortes a queimar
Todo gelo frio que construí.
Entras no meu sangue devagar
E eu a transbordar dentro de ti.(...)"
Tiago Bettencourt, Canção Simples

domingo, janeiro 28, 2007

Perspectivas


Ainda era tarde nos dias em que anoitece cedo,
Mais uma, correndo larga para o esquecimento,
E eu sabia não ter por de perder não ter medo
Mas "não querer é poder" a qualquer momento.

Ainda, entre um pulsar latente e sem sentido,
Compassado no tempo próprio do desalento,
Meio coração latejante, ardendo, oprimido,
Mediando a vida, dobrado da morte o intento.

Já ao ouvir tua voz, tons quentes guardei ao ocaso,
Desse instante aqueci outros, pardos, desde então,
Por seus frios tremores a que os temores dão azo...


E já da vida, por sua constante incerteza tornada linda,

Amazona num galope, agora uno, cheio de intenção, tão...
Sinto o quanto - tanto! - ela, a minha, é tua, já... e ainda!


"(...) O amor é essa força incontida
Desarruma a cama e a vida
Nos fere, maltrata e seduz
É feito uma estrela cadente
Que risca o caminho da gente
Nos enche de força e de luz (...)"
Vinícius de Morais, Deixa Acontecer

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Inquietude

Foto de Dino Rogic


Desfrutando o Sol de Inverno, enganador, fintando nuvens e além delas estendendo seu calor, por fim, quieto, contemplei...

Um campo de trigo dourado, ondulado,

Montanhas incessantemente descidas, tamanhas,
Uma encosta pelo casario caiada, caindo,
Estradas seu caminho seguindo, enleadas…

Respirei sem respirar, inspirado, vivi sem mexer mais que o olhar e vi uma estrela. Perdida? Adiantada? Seguia no seu passo, decidida, e à orla da noite, aguardada, terá chegado.

Partilhada a pressa, nenhuma, acalmou-me o pensamento, inquietado, quando me perco em instantes, demorado, contemplando...

Até a Lua pode esperar.


"(...)Naquele sítio o espaço tem outra escala, outro sentido, outra dimensão. Um tamanho que foge à percepção do olhar. Ali, o que conta é a luz e o modo como se reflete da falésia para o mar e do mar para mente. Como a pintura impressionista. Ali, tudo parece incorpóreo, distante, irreal.(...)"
Gonçalo Cadilhe, A Um Deus Desconhecido

segunda-feira, outubro 16, 2006

Under Water Love

Foto de Aaron Chang


Para trás ficam as brancas espumas,

Galopando como tempestuosas nuvens,
Numa carga final, razão de uma vida cruzando o mar,
Pela
eterna cruzada de terra santa conquistar!

Para trás fica o grito de guerra,
Trovejante clamor retumbante, irado,
De imberbe amante e seu vigor apressado
Sobre um ventre de areia e rocha desarmado.

Para trás fica o ar que em meu peito se esgota,
A luz que meus olhos cega, o cheiro que minha vida impregna
E o nada que me cerca e onde nadando me afogo.

Em tenebrosas trevas mergulhado
Num borbulhante silêncio vou sofucando
Ouso à superfície inspirar mas, logo que possa, amaro...


"Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades"
Sophia de Mello Breyner Andresen, Exílio

quarta-feira, outubro 04, 2006

Triste Sorte



O burburinho da rua cruza-se à porta com o último fulgor dos candeeiros que lá dentro se apagam...

O ténue breu que invade a sala desperta dedos virtuosos para um bailado sobre cordas. Surge um agudo trinado por entre graves acordes. A lacrimal forma da guitarra escorre sobre o curvilíneo corpo de mulher da viola e cada sensual gota pede, com notável clareza, silêncio, pois vai-se cantar o fado.

A sedução da fatalista harmonia esmorece os murmúrios dos que esperam redenção em tons de histórias de vida. Poemas de uns, vozes de outros, desgarrados dons que ali se aproximam.

Há uma voz que se aclara, esperando tomar vez à instrumental melodia. Dela, para as mesas corridas, correm palavras vadias, sobre ilusões por vezes sonhadas, outras vividas. Nas primeiras, faz-se poeta, finge uma dor deveras sentida, porque sonhos desfeitos têm real dor acometida. Das segundas canta saudades em súplica entristecida.

A noite cresce, assombrada por tenebrosos destinos, numa teia de finais lúgubres e velhos princípios. Quando dou por mim trauteando confissões ouvidas na invulgar capela, ao descer a calçada sem rumo, sei que não sou padre nem santo.

Quem sabe, talvez seja fadista...



"(...) Cantigas do fado,
Retalhos de vida,
Umbrais de um passado
De porta corrida.
São ais inocentes
Que embargam a voz
Das almas dos crentes
Que rezam por nós (...)"
Frederico de Brito, Acordem as Guitarras

quarta-feira, setembro 27, 2006

Eyes Wide Shut




Não é a primeira vez que aqui passo mas só agora reparo...

Neste braço de estuário, esconderijo secreto de tão explícito, as águas, doce e salgada, vêm namorar na preia-mar. São águas felizes.

Os sulcos dos barcos na superfície acordam as margens de sua letargia e agitam a madeira de um velho casco, pela vida gasto. Quase recupera sua pose de navio, outrora dono e senhor do rio. Balouçando na proa, uma gaivota parece ainda lhe reconhecer algum brio.

No auge da maré cheia, esconde-se o leito sob o agri-doce rodopio. O ar, levemente adocicado por entre travos de maresia, pede uma pausa, tranquiliza, e até os fios dos pescadores que trespassam o húmido espelho demoram mais a vibrar.

Dali a nada, restará pouco mais que um lençol usado, desalinhado, vincado por ardores de amante e onde jaz seu odor delirante. À medida que recua de seu balzaquiano ninho este vai sendo por outros pássaros tomado. O regresso é certo e se a paixão nos torna alados, o rio parece ter com seus pares a magnânima indiferença dos apaixonados.

Eu, aqui ao longe mirando as pequenas garças, sinto-me quase velho, quase gasto, recordando as águas felizes...


"Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer."
Cesário Verde, O Sentimento dum Ocidental

segunda-feira, setembro 18, 2006

Buongiorno Principessa!

Foto de mit


No meu calendário,
por mais distante, desde o nascer do sol até à escuridão e sua brilhante sinfonia, este será sempre o teu dia: Parabéns!

Que cada intrépido passo teu deixe uma pegada de felicidade...


Chegam-me ecos de ti, que estás feliz onde eu fui feliz. E não consigo parar de imaginar o teu sorriso...

domingo, setembro 17, 2006

Há Mar e Mar...



Estrella Morente, Volver


Aprisionei-me na liberdade.

A melancolia que me adorna as palavras visita-me neste meu cárcere infinito. Por vezes, como uma roupa usada dias e dias, meses, seguidos, parece desfiar seu sentido em fios que se soltam e em pequenos novelos ficam perdidos.

Enfim, tanto choro, tanto grito, tanto querer que é um querer maldito. Ladainha velada por um desejo de ter o que por mim já foi tido. E que é tudo e tão lindo! E no entanto... Não ouso arriscar rumo ao conhecido e escondo a razão de qualquer laivo de audácia que a possa toldar.

Eu amo. Sim, Amo! Quero bem, independentemente de ser eu a dar. Por si só não será confissão para me soltar? Contudo, o tempo decidiu que era tempo num tempo em que eu não posso - não quero? - e não sei voltar. Assim, agora, não. Doce ironia, não fosse eu recluso e não teria meu indulto...

Neste corrupio de sensações, tentando parecer destemido, decido. Afinal há todo um desconhecido para explorar, conhecer e, quem sabe, de onde voltar.


"Porém seu pequeno coração
- que é o dos equilibristas -
Por nada suspira tanto
Como pela chuva tonta
Que quase sempre traz o vento
Que quase sempre traz o sol..."
Bernardo Atxaga, As Gaivotas

quarta-feira, agosto 30, 2006

Danças Ocultas


Não sei o que sinto, estou ainda atordoado...

Partilho a sombra com a leve brisa que junto a mim se vem também abrigar. Respiro-a profundamente, ainda quente, acalmando os poros que o calor fez dilatar.

O suave canto das folhas embala-me sonhos que partem, vagueiam sem rumo, além das fronteiras traçadas pelo sol com as formas dos frondosos corpos
sob os quais me deleito. Não têm limites para respeitar. Deixo-os ir e encosto no tronco, deste jardim o trono de onde tudo vejo e em que meu olhar reina sem pensar nem julgar.

E eis que vejo, por entre cortinas de água que como miragens se elevam no ar, uma silhueta feminina, correndo, brincando, sorrindo, mais feliz quando os translúcidos panos não têm tempo para abrir antes de por eles passar.

Fecho os olhos. Chamo de volta os sonhos e de repente quem corre sou eu, és tu, um par. E já não corremos, antes dançamos, em salões que também dançam, ao som da mesma música: vento, folhas, água. E tudo parece tão natural...

Abro os olhos. Ainda eu e a brisa, descansando.
Respiro-a profundamente, ainda quente, de tão real ser meu sonhar. Olho em volta e percebo. Estás na minha natureza.


"Quero fazer contigo o que a primavera faz com as cerejeiras"
Pablo Neruda, Vinte poemas de amor e uma canção desesperada

quinta-feira, agosto 24, 2006

Sonho de Uma Noite de Verão

Foto de Konrad Ciok

Anoiteceu...

E o mar fundiu-se no céu. Plagiou estrelas com reflexos de luar, calmo, como se dizendo: Vem, vem voar...

S
enti-me noivo da noite, que lhe levantava o véu e com seu beijo molhado, breve desvio de meu destino, astronauta me tornei. Mesmo sem fato espacial ou foguetão, viajar por entre brilhos dançantes - movimento próprio dos corpos cadentes, era aqui natural, alegre e vivo - que na palma da mão segurei. Afinal há vantagens numa ilusão.

Novo instante e logo um novo encanto, do anterior furtava meu olhar. Tanta beleza tornou-me indiferente, de paixão em paixão ardente, mas tão fugaz quanto a paixão é capaz. Insaciado em meu celeste trilho por tudo, por isso nada, prender minha atenção, regressei onde havia partido.

Cheguei com o princípio da hora do dia que consigo trazia a luz e o horizonte e as cores e a vida.

E sorri...


"Eu não sou eu nem sou outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
___Pilar da ponte de tédio
___Que vai de mim para o Outro."
Mário de Sá Carneiro, 7