quarta-feira, agosto 30, 2006

Danças Ocultas


Não sei o que sinto, estou ainda atordoado...

Partilho a sombra com a leve brisa que junto a mim se vem também abrigar. Respiro-a profundamente, ainda quente, acalmando os poros que o calor fez dilatar.

O suave canto das folhas embala-me sonhos que partem, vagueiam sem rumo, além das fronteiras traçadas pelo sol com as formas dos frondosos corpos
sob os quais me deleito. Não têm limites para respeitar. Deixo-os ir e encosto no tronco, deste jardim o trono de onde tudo vejo e em que meu olhar reina sem pensar nem julgar.

E eis que vejo, por entre cortinas de água que como miragens se elevam no ar, uma silhueta feminina, correndo, brincando, sorrindo, mais feliz quando os translúcidos panos não têm tempo para abrir antes de por eles passar.

Fecho os olhos. Chamo de volta os sonhos e de repente quem corre sou eu, és tu, um par. E já não corremos, antes dançamos, em salões que também dançam, ao som da mesma música: vento, folhas, água. E tudo parece tão natural...

Abro os olhos. Ainda eu e a brisa, descansando.
Respiro-a profundamente, ainda quente, de tão real ser meu sonhar. Olho em volta e percebo. Estás na minha natureza.


"Quero fazer contigo o que a primavera faz com as cerejeiras"
Pablo Neruda, Vinte poemas de amor e uma canção desesperada

quinta-feira, agosto 24, 2006

Sonho de Uma Noite de Verão

Foto de Konrad Ciok

Anoiteceu...

E o mar fundiu-se no céu. Plagiou estrelas com reflexos de luar, calmo, como se dizendo: Vem, vem voar...

S
enti-me noivo da noite, que lhe levantava o véu e com seu beijo molhado, breve desvio de meu destino, astronauta me tornei. Mesmo sem fato espacial ou foguetão, viajar por entre brilhos dançantes - movimento próprio dos corpos cadentes, era aqui natural, alegre e vivo - que na palma da mão segurei. Afinal há vantagens numa ilusão.

Novo instante e logo um novo encanto, do anterior furtava meu olhar. Tanta beleza tornou-me indiferente, de paixão em paixão ardente, mas tão fugaz quanto a paixão é capaz. Insaciado em meu celeste trilho por tudo, por isso nada, prender minha atenção, regressei onde havia partido.

Cheguei com o princípio da hora do dia que consigo trazia a luz e o horizonte e as cores e a vida.

E sorri...


"Eu não sou eu nem sou outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
___Pilar da ponte de tédio
___Que vai de mim para o Outro."
Mário de Sá Carneiro, 7

sexta-feira, agosto 18, 2006

Outro Silêncio


Jose Gonzalez, Hand on your heart


Liberta-se minha memória
Como a folhagem de Outono
Se solta do ramo, seu dono,
Voando dourada de glória.

E em meus olhos pranteados
Reflete sorrisos de outrora,
A alegria também se chora,
Quando por nossos sonhos guiados.

Mas tal delírio, efémero quanto belo,
Não tarda a pousar, aguarda o Inverno
Que a vida sem ti torna eterno.

Eu, da solidão e loucura, um elo
Voltarei a sonhar? A sorrir? Chegue a hora!
Ou neste frio morra sem mais demora!



"Rei, muito sábio, tu podes dizer:
Quem, sepultado vivo, no fundo
Da terra, longe do sol e do mundo
Morre, e no entanto, torna a viver?"
Antigo Testamento, A rainha de Sabá em Jerusalém

sexta-feira, agosto 11, 2006

Sol Menor


Quero mostrar tudo o que sinto sem ter de descrever, de falar.
Inventar uma palavra que defina tudo sem necessitar de explicar.
Algo tão forte e profundo quanto Saudade, quanto Amor...
Abstrata. Mas que encerre em si todo este torpor.

Nem sempre temos tudo o queremos. Descrevo-me no som de um acorde...


"Há sem dúvida quem ame o infinito
Há sem dúvida quem deseje o impossível
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito
Porque eu desejo impossivelmente o possível
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se poder ser,
Ou até se não poder ser..."
Álvaro de Campos, O que há em mim é sobretudo cansaço

quinta-feira, agosto 03, 2006

Rosa dos Ventos

Cada passo que dou tem uma direcção.

Incerto do ponto que foquei no horizonte por, distraído, desviar o olhar
- uma voz que cega, um cheiro que chama, qualquer coisa, nada... Sigo.

Aprendo a ler sinais, pistas desconexas, que encaixo num mapa traçado à partida por desejos e lendas que quis para mim. O plano original, idílico, é rescrito com acasos e coincidências, torna-se real e vivo. O mesmo fim, outros meios, mas aprendo que as lendas não voltam a acontecer.

Há sinais mais intensos, recorrentes, sinto neles poder confiar. Como a nortada de Agosto que ao final da tarde conta as histórias de onde vem. Orienta-me a vida, enfuna-me a alma e segue sem julgar. Certo dia deixou-me uma rosa mas, apesar de um perfume que conheço tão bem, também havia espinhos para decifrar.

Guardei a mensagem e trago-a sempre comigo.
Sigo... O mesmo fim, outros meios. Um dia saberei se estou onde devia estar.


"Cheio de Deus, não temo o que virá
Pois, venha o que vier, nunca será
Maior do que a minha alma."
Fernando Pessoa, A Mensagem

terça-feira, agosto 01, 2006

And she will be loved...


Que noutras mãos possas moldar-te,
Noutros braços encontrar porto.
Que outro olhar te veja arte,
De outra voz ouças conforto.

Que outra pele te sinta seda,
Outros lábios sublime sabor.
Que outra vida por ti se exceda,
Desmedida, de tanto Amor!

E teu sorriso, pleno, nunca esmoreça
Lembrando o que o Futuro a ti prendeu
E dois destinos num, mais belo, ele teça!

Mas que recordes, sempre, o quanto,
Qual feitiço, meu viver do teu viveu
E que haverá, jamais, tamanho encanto!


Será que ajuda se em vez de te dizer que te Amo disser a Deus?