quarta-feira, outubro 04, 2006

Triste Sorte



O burburinho da rua cruza-se à porta com o último fulgor dos candeeiros que lá dentro se apagam...

O ténue breu que invade a sala desperta dedos virtuosos para um bailado sobre cordas. Surge um agudo trinado por entre graves acordes. A lacrimal forma da guitarra escorre sobre o curvilíneo corpo de mulher da viola e cada sensual gota pede, com notável clareza, silêncio, pois vai-se cantar o fado.

A sedução da fatalista harmonia esmorece os murmúrios dos que esperam redenção em tons de histórias de vida. Poemas de uns, vozes de outros, desgarrados dons que ali se aproximam.

Há uma voz que se aclara, esperando tomar vez à instrumental melodia. Dela, para as mesas corridas, correm palavras vadias, sobre ilusões por vezes sonhadas, outras vividas. Nas primeiras, faz-se poeta, finge uma dor deveras sentida, porque sonhos desfeitos têm real dor acometida. Das segundas canta saudades em súplica entristecida.

A noite cresce, assombrada por tenebrosos destinos, numa teia de finais lúgubres e velhos princípios. Quando dou por mim trauteando confissões ouvidas na invulgar capela, ao descer a calçada sem rumo, sei que não sou padre nem santo.

Quem sabe, talvez seja fadista...



"(...) Cantigas do fado,
Retalhos de vida,
Umbrais de um passado
De porta corrida.
São ais inocentes
Que embargam a voz
Das almas dos crentes
Que rezam por nós (...)"
Frederico de Brito, Acordem as Guitarras